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Dona Maria e o Mundo Perdido

Da Redação

| Edição de 25 de abril de 2024 | Atualizado em 25 de abril de 2024

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Não caro leitor e leitora, esse não é um texto de fantasia ou de histórias infantis, mas um relato (infelizmente) real. Nessa semana conversava com uma jovem senhora, que carinhosamente chamarei de Dona Maria. Ela, uma senhora já com netos, em uma conversa informal de corredor, afirmou: “eu não voto há muitos anos, afinal nada muda”. Dona Maria não está de todo errada, ainda sim, é necessário pensar o que nos trouxe até essa situação. 

Há menos de 100 anos Dona Maria não teria o direito de votar, uma vez que só em 1932 um decreto presidencial de Getúlio Vargas instituiu no Código Eleitoral Brasileiro tal situação. Entretanto, o direito ao voto das mulheres não significa, necessariamente, que elas podiam fazê-lo. Até 1962, quando foi promulgado o Estatuto da Mulher Casada, as mulheres precisavam de autorização de seus maridos para fazer quase tudo, como trabalhar fora, viajar, comprar e vender imóveis ou receber heranças. Em termos práticos, só nesse ano as mulheres deixaram de ser consideradas incapazes diante da lei, o que não significa que a luta das mulheres tenha acabado ali. 

Dona Maria, que também é negra, não teria tido esse direito antes do final do século XIX, mesmo que as mulheres já pudessem votar, uma vez que a escravidão que deixou marcas profundas em nosso país, até aquele momento era baseada na lei que segregava e separava os indivíduos. A luta antirracista ainda se faz necessária, uma vez que as indeléveis marcas desse período se fazem presente nos discursos e atos cotidianos. 

Dona Maria, que assim como eu e talvez você, caro leitor e leitora, é pobre, não poderia votar em uma época, que independentemente de cor ou gênero, pelo voto censitário, apenas os mais ricos votariam, privilegiando seus interesses obviamente. Com a Constituição de 1891 esse fato mudou, mesmo que nos primeiros anos da República Velha o “voto do cabresto”, onde os poderosos locais forçavam seus interesses “goela abaixo” dos mais pobres. Foi ali, no início do século XX, que começaram as promessas absurdas e as compras de votos, coisa que infelizmente ainda se faz presente em nossos dias. Dentaduras e cadeiras de rodas já são coisa do passado, depois de dinheiro vivo e combustível, tijolos e promessas de empregos se fazem presentes. 

Dona Maria não tem culpa de seu ódio pelos políticos, pois como muitos dizem por aí, a “velha política” ainda se faz presente e parece que realmente nada vai mudar. Entretanto, ainda que o não comparecimento ou o voto nulo sejam atitudes políticas, uma vez que demonstrem sua insatisfação, sua postura só reforçará tudo aquilo que ela tanto abomina. 

Precisamos resgatar em cada cidadão a vontade e o desejo de fazer parte do processo político, pois depois de séculos de lutas, tanto ideológicas como físicas, onde homens e mulheres morreram por essa causa, é inconcebível alguém se abster do “direito” de fazê-lo. É muito mais do que um direito, é um dever cívico, não apenas votar, mas também acompanhar os eleitos. Esse sentimento de Dona Maria não é uma situação ocasional, é um projeto, pois quanto menos as pessoas entenderem a importância do voto, mais os incapazes e famintos pelo poder ocuparão as cadeiras como reis de um reino destruído. 

Há esperança Dona Maria, a senhora é a soma de todas as lutas e sacríficos, vamos honrar nosso passado, agir no presente e mudar o futuro. Cada voz e voto conta, chega de silêncio!