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Não discutir igualdade de gênero é retrocesso, diz especialista

Vanuza Borges

| Edição de 11 de novembro de 2017 | Atualizado em 25 de janeiro de 2022

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A polarização acentuada no Brasil nos últimos meses tem criado um novo cenário, propiciando discussões polêmicas, em especial, no âmbito político. Duas questões que ganharam espaço neste período, em especial entre a bancada cristã no Congresso Nacional, são a “Escola Sem Partido” e “Ideologia de Gênero”. As discussões não estão centradas apenas em Brasília. Vários municípios já têm se manifestado sobre o assunto. Na semana passada, a Câmara de Arapongas aprovou um projeto de lei vetando a ‘doutrinação’ nas escolas. Projeto semelhante foi protocolado também na Câmara de Apucarana. Amanhã entra em discussão em Arapongas uma outra matéria que visa proibir qualquer abordagem sobre “Ideologia e Igualdade de Gênero”.

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Em Arapongas, os dois projetos de leis são de autoria do vereador Rubens Franzin Manoel (PP). No caso da proposta a ser apresentada nesta semana, o objetivo é proibir a distribuição, exposição e divulgação de material didático contendo manifestação da “Ideologia e Igualdade de Gênero” em locais públicos, privados de acesso ao público e de entidades de ensino em Arapongas. Em outro ponto, ainda no artigo primeiro, o texto diz que fica vedado também a manifestação ou mensagem subliminar da igualdade (ideologia) de gênero.
Para a cientista social de Apucarana Daiane Gomes, especialista em Filosofia Política e Jurídica e mestranda em Gênero e Desenvolvimento Humano, projetos que vedam a discussão da ideologia e igualdade de gênero dentro das escolas são um retrocesso. “Abordar o tema desigualdade de gênero é falar do baixíssimo índice de ocupação parlamentar das mulheres no Brasil, tratar também dos altos índices de violência doméstica e de feminicídio”, pontua.
Como exemplo, ela cita o Mapa da Violência de 2016, que mostra que 50,3% dos assassinatos de mulheres são cometidos por pessoas da família e 33,2% por parceiros ou ex-parceiros. “Esse tema precisa ser debatido nas salas de aula, assim como a desigualdade gritante de salários”, frisa.
Na avaliação da especialista, tratar de gênero nos currículos escolares representa formar uma sociedade com menos desigualdade entre homens e mulheres, visto que o Brasil é o 97º país nesta escala. “Abordar o tema gênero nas escolas é combater o machismo, as manifestações constantes de violência. A própria escola recebe inúmeras mulheres que sofrem tanto com a violência física, simbólica, patrimonial, psicológica, moral e sexual”, afirma.
Ainda segundo Daiane, falar de gênero é abordar problemas sociais como a agressão e denúncias por homofobia contra homossexuais. “O Brasil é país onde mais matam homossexuais e travestis no mundo, segundo um levantamento divulgado pelo The New York Times. A permanência de uma grande curricular que isole essas problemáticas sociais tão latentes é um desacordo com os claros índices apontados”, entende.
Como exemplo de problemática de gênero, a professora cita a Lei Maria da Penha, que demorou cerca de 20 anos até ser aprovada, passando neste período por processos judiciais junto ao Centro para Justiça e o Direito Internacional e o Comitê Latino-americano do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher, que classificou o Brasil como imprudente no tratamento do caso de Maria da Penha, que deu o nome a lei, e com outros casos de violência contra a mulher.
“Então, as Comissões Interamericanas de Direitos Humanos, no ano de 2008, consideraram o Brasil um país machista e cobraram uma postura do governo que elaborasse uma lei específica tratando os casos de violência doméstica. Omitir o tema gênero do currículo é dar brecha para um retrocesso imenso”, acredita. 

Ideologia não é incentivo
Na justificativa do projeto, o vereador Rubens Franzin Manoel (PP), de Arapongas, argumenta que “Não cabe à escola doutrinar sexualmente as crianças, desprovidas que são da necessária compreensão e maturidade, ainda mais quando essa doutrina vai contra todo o comportamento habitual e majoritário da sociedade, pois isso pode causar-lhes danos irreversíveis quanto à sexualidade e quanto a aspectos psicológicos”, assinala o vereador na justificativa da proposta. 
A cientista social, especialista em Filosofia Política e Jurídica e mestranda em Gênero e Desenvolvimento Humano, Daiane Gomes, de Apucarana, explica que a ideia de ideologia de gênero surgiu na década de 1950 com Simone de Beauvoir, que apresentou um estudo da construção de gênero.
Porém, segundo a especialista, quando alguém foge deste estereótipo acaba rechaçados pela sociedade. “A ideologia de gênero é entender que os gêneros são construídos socialmente. O que não corresponde a qualquer forma de incentivo o menino ser gay ou a menina lésbica”, diz.
Em sala de aula, de acordo com Daiane, basicamente será abordado a importância do respeito e da tolerância. “A ideia não é naturalizar isso, mas expor para a sociedade que isso é uma problemática, que precisa ser discutida”, diz.
Procurado ontem pela Tribuna, o vereador se limitou a dizer que fez o projeto após ser procurado por pais e não considerada o tema polêmico. O vereador disse ainda que irá comentar o projeto na segunda-feira, quando será apresentado à Câmara de Vereadores.