OPINIÃO

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Capoeira: da marginalização à institucionalização

Katiuscia Mello Figuerôa

| Edição de 17 de agosto de 2018 | Atualizado em 25 de janeiro de 2022

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A capoeira, hoje reconhecida como esporte brasileiro, representa nossa cultura em mais de 190 países, sendo considerada uma das maiores divulgadoras da língua portuguesa no mundo. Além disso, foi reconhecida como Patrimônio Cultural Brasileiro, em 2008, e como Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade pela Unesco em 2014. Mas você sabia que essa arte já foi proibida e duramente perseguida em nosso país?
A história da capoeira se iniciou no século XVI e há três linhas de pesquisa sobre sua origem: nasceu na África e foi trazida ao Brasil por africanos escravizados; é uma criação de escravos africanos em terras brasileiras; é uma criação indígena. A hipótese mais recorrente entre os historiadores é a de que foi criada no Brasil por escravos africanos.
Essa arte é uma expressão cultural que reúne aspectos de luta, dança, cultura popular, artes marciais, jogo e brincadeira. Seu jogo é executado dentro de uma roda em que dois jogadores executam uma ação sincronizada de perguntas e respostas por meio da expressão corporal.
Ao princípio, a prática da capoeira pelos escravos nas senzalas foi proibida por ser considerada um risco para os senhores, feitores e capatazes. E foi nesse contexto em que se disfarçou de dança, para poder ser praticada com o consentimento dos “patrões”. Essa prática foi um elemento muito importante da resistência cultural e física dos escravos.
No primeiro código penal do país – Código Penal do Império do Brasil/1830 – não havia referência direta aos praticantes de capoeira, mas a polícia os enquadrava no capítulo que tratava dos vadios e mendigos. Certo tempo depois, os capoeiras ganharam prestígio devido a sua participação na Guerra do Paraguai (1864-1870), pois seus corpos eram considerados verdadeiras armas de guerra. Após a abolição da escravidão, ficaram conhecidos no Rio de Janeiro também por serem contratados como seguranças e por formarem milícias (ou maltas), como a temida “Guarda Negra”, que protegia a monarquia, e seu envolvimento com a política, dividindo-se em republicanos e monarquistas. Libertos e sem ofício, acabavam se envolvendo em brigas e outras desordens, sempre desafiando o poder oficial. Já no início da República, a capoeira foi nominada no Código Penal Brasileiro (Decreto nº 847/1890). A partir dessa inclusão, a polícia reprimiu seus praticantes com extrema violência, especialmente nas cidades do Rio de Janeiro, Recife e arredores. Dessa forma, a modalidade foi tipificada e elencada como uma prática criminosa – seus praticantes eram exterminados, presos e/ou deportados.
A capoeira também era praticada por homens livres – pobres e ricos, inclusive europeus que viviam na capital do Império e, embora seus praticantes fossem vistos como criminosos, recobraram valor social por meio da vertente nacionalista, que defendia a capoeira como ginástica brasileira e a queria transformar em esporte nacional.
A inclusão da capoeira no projeto nacionalista como representação autêntica da brasilidade se estendeu por décadas. A partir de 1920 e 1930 esse aproveitamento ginástico da Capoeira com uma visão mais atlética a respaldou para que fosse mais conhecida e ensinada em outros espaços, como escolas, academias, clubes, quartéis, etc. Essa prática corporal resistiu por décadas e, no Governo de Getúlio Vargas (1934), alcançou o status de esporte nacional.
Atualmente, a capoeira conta com milhares de praticantes pelo país, é tratada como atividade pedagógica dentro de escolas e como disciplina nos cursos de Licenciatura e Bacharelado em Educação Física, ou seja, o saber popular se uniu ao saber científico.
Enfim, a capoeira, que foi duramente perseguida e quase extinta, resistiu à repressão estatal e ao preconceito da nossa sociedade e hoje é símbolo da cultura brasileira no mundo.