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MST e bolsonaristas convivem em Arapongas

Renan Vallim

| Edição de 10 de novembro de 2018 | Atualizado em 25 de janeiro de 2022

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“Não tem conversa com o MST. Toda ação do MST deve ser tipificada como terrorismo”. As frases acima foram ditas no último dia 29 por Jair Messias Bolsonaro (PSL), presidente do Brasil eleito no pleito deste ano. Ao longo de toda a campanha, o então candidato não poupou críticas à atuação do Movimento dos Sem Terra (MST). Em Arapongas, Bolsonaro recebeu expressivos 51,9 mil votos no segundo turno, ou 83,4% do total válido, o terceiro maior índice do Paraná. Curiosamente, o município abriga um assentamento criado por integrantes do MST, que é considerado modelo de gestão para todo o movimento.

Imagem ilustrativa da imagem MST e bolsonaristas convivem em Arapongas

O assentamento Dorcelina Folador leva o nome da ex-prefeita de Mundo Novo (MS), de origem sem-terra, que foi assassinada com seis tiros pelas costas em 1999, enquanto exercia o mandato. Instalada na região Sul de Arapongas há quase 20 anos, a comunidade de trabalhadores rurais tem 775 hectares de área total, abrigando em torno de 90 famílias, totalizando cerca de 500 pessoas.
“Acredito que estas eleições foram muito acaloradas. Os ânimos de todos ficaram à flor da pele, a emoção substituiu a razão e nós, do MST, fomos um dos alvos de parte da população. Por mais que este clima possa causar algumas dificuldades para nós, não nos assusta. Estamos ‘calejados’ e, além do mais, estamos consolidados na cidade. Já são muitos anos em Arapongas, temos uma clientela que nos conhece e gosta dos nossos produtos”, diz Dirlete Dellazeri, moradora do assentamento e uma das representantes das famílias.
Segundo ela, por mais que tenham votado em Bolsonaro, muitos eleitores não compactuam com o pensamento do presidente eleito. “Acho que a maioria votou contra o PT, e não a favor de Bolsonaro. Esta visão negativa em relação ao MST como um todo é um efeito do período eleitoral e nós não disputamos a eleição. Nossa missão é mudar a sociedade através da agricultura. Muita gente sabe que somos povo trabalhador, como a grande maioria dos brasileiros. Não somos diferentes de ninguém, nem mesmo dos outros assentamentos”, afirmou.

MODELO
O que faz o assentamento ser modelo é o sistema de gerenciamento: as famílias são divididas em nove núcleos, cada um com dois coordenadores. Dentro de cada núcleo são feitas reuniões quinzenais, em que todos os assentados são convidados a participar. A realidade de cada núcleo é levada para uma reunião com todos os coordenadores, onde é feito o planejamento das próximas ações a serem implantadas no assentamento. Este sistema onde todos têm voz ativa foi adaptado de experiências em outros assentamentos.
O sistema deu tão certo que o assentamento se desenvolveu e hoje cultiva dezenas de produtos, fornecendo itens inclusive para a alimentação das crianças das unidades educacionais da cidade e região. Há ainda uma cooperativa de laticínios instalada no local, com um sistema de agronegócio familiar. “São raras as famílias aqui que recebem o Bolsa-Família, por exemplo. A renda de todos é boa e, por isso, não entramos na faixa de pagamento do benefício”, conta Dirlete.

Desconhecimento gera aversão, diz Sérgio Onofre
O apoio do prefeito Sérgio Onofre (PSC) a Jair Bolsonaro pode ter influenciado para que a votação do candidato tenha sido expressiva na cidade. No Paraná, Arapongas ficou atrás apenas dos municípios de Nova Santa Rosa (86,74%) e Quatro Pontes (86,13%) no segundo turno.
Para Onofre, o grande número de votos na cidade em que há um dos principais assentamentos do estado não é uma contradição. “Boa parte da população não conhece o MST em sua totalidade, talvez até mesmo o próprio presidente eleito. Conhecem as barracas, as invasões, mas não o que dá certo, como o nosso assentamento. O exemplo do ‘Dorcelina’ deveria ser seguido por todo o Brasil”, diz.
Ele lembra que o terreno onde foi construído o assentamento já tinha sido alienado pelo banco. “A indignação de Bolsonaro com as invasões a terras particulares é a mesma de boa parte dos brasileiros. Existem locais onde há depredação, tiroteio e até morte. Nestes casos, entendo a mudança da lei para tipificar estas ações como terrorismo. Mas não é e nunca foi o caso do povo do ‘Dorcelina’, que está preocupado em trabalhar. Inclusive, me disponho a levar produtos do nosso assentamento no próximo encontro que eu tiver com Bolsonaro, para ele conhecer um assentamento que dá certo”.

Bolsonaro venceu em todas as seções da cidade
O presidente eleito venceu em todas as seções eleitorais de Arapongas. Curiosamente, o adversário de Bolsonaro no segundo turno, Fernando Haddad (PT), obteve o maior número de votos nas cinco seções existentes na Escola Municipal de Aricanduva. Lá, Haddad recebeu 341 votos, ou 32,4% do total, contra 713 de Bolsonaro, ou 67,6%.
A vitória mais apertada de Bolsonaro aconteceu na seção 333. O capitão da reserva recebeu 129 votos, contra 88 de Haddad (59,5% contra 40,5%). Foi a seção araponguense com maior número de votos pró PT. A escola é o local de votação mais próximo do assentamento Dorcelina Folador.