OPINIÃO

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Não temos o direito de nos render

Por Daniel Alves Pereira, defensor público do Paraná

| Edição de 28 de junho de 2017 | Atualizado em 25 de janeiro de 2022

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Em 28 de junho de 1969, a comunidade LGBT nos Estados Unidos, assim como ocorria em praticamente todas as partes do mundo, sofria forte repressão vinda da sociedade civil e do aparelho estatal. Naquele dia, o poder policial do Estado americano achou que poderia, mais uma vez, caçar, humilhar e expor homossexuais, transgêneros e travestis em um dos poucos redutos em que jovens expulsos dos seus lares, homens e mulheres desprezados por suas comunidades e pessoas vistas como não pessoas podiam viver suas identidades sexuais de forma plena, sem a poderosa e temida vigilância moral que lhes era imposta. Este reduto era o bar Stonewall.

Naquele dia, o poder policial estava enganado. Os jovens expulsos de seus lares, os homens e mulheres desprezados por suas comunidades e as pessoas vistas como não pessoas reagiram. Eles não aceitaram a sistemática injustiça perpetrada contra eles e se uniram, revidando pela primeira vez de forma significativa, apesar de estarem praticamente sozinhos contra o resto da sociedade e o Estado. Este evento foi conhecido como Revolta de Stonewall. Exatamente um ano depois, ocorreram as primeiras marchas do orgulho gay para comemorar este motim, que é considerado, por muitos, como o marco inicial da luta pelos direitos civis da comunidade LGBT. Estas marchas contaram com algumas centenas de pessoas.

Desde então, passaram-se 48 anos e muitas conquistas foram alcançadas. A homossexualidade deixou de ser considerada doença pela Organização Mundial de Saúde em 17 de maio 1990. A Holanda foi o primeiro país a reconhecer o direito de casamento entre pessoas do mesmo sexo em 1º de abril de 2001. Já a Islândia teve a primeira líder de governo abertamente gay desde a antiguidade (Jóhanna Sigurðardóttir) em 1º de fevereiro de 2009. A parada gay de São Paulo teve uma estimativa de público de 3 milhões de pessoas em 2017. O próprio fato de um defensor público ser gay, escrever este texto e contar com o apoio do seu órgão estatal para publicá-lo é uma prova de que ocorreram melhoras.

Porém, nem tudo são boas notícias. Como esquecer que homossexuais são jogados do alto de prédios nos territórios ocupados pelo Estado Islâmico? Como ignorar a travesti Dandara pedindo por sua vida enquanto tinha sua execução filmada em um horripilante show de sadismo? No Brasil e no mundo, ainda há jovens expulsos dos seus lares, homens e mulheres desprezados por suas comunidades, pessoas vistas como não pessoas.
Dito tudo isso, afirmo que este texto não se propõe a contar uma bela história com um confortável final feliz, nem mesmo cair em um pessimismo fatalista e inativo, mas sim trazer um aviso a todos os jovens, homens e mulheres, cisgêneros, trânsgêneros, intergêneros, não binários e muitos outros: ainda há batalhas a serem travadas, mas, diferentemente dos que se revoltaram em Stonewal, nós não estamos sozinhos. A Defensoria Pública está conosco lutando o combate iniciado por aquelas pessoas em 1969, e nem nós, nem a Defensoria Pública, nos renderemos. A vida nos fez lutadores persistentes e a Constituição Federal não deu à Defensoria Pública a opção de se render.