CIDADES

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Nem de meninos, nem de meninas

Vanuza Borges e Fernanda Neme

| Edição de 21 de outubro de 2017 | Atualizado em 25 de janeiro de 2022

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Num piscar de olhos, as crianças têm o poder se transformarem em heróis do cinema, esportistas, professores, chefs, policiais, astronautas... A imaginação infantil vai muito além de velhos conceitos do que é brinquedo de menino e de menina. Fabricantes de brinquedos já perceberam que no mundo das brincadeiras, o leque de cores vai além do conceitual azul e rosa, que divide o mundo até então entre coisas de meninos e coisas de meninas. A entrada de linhas de brinquedos andrógenos, aqueles sem direcionamento de gênero, explorando outras cores além do azul e rosa, no mercado é resultado do pedido dos próprios pais. 

Imagem ilustrativa da imagem Nem de meninos, nem de meninas

A fabricante de brinquedos Xalingo, por exemplo, há três anos resolveu inovar e passou a apostar em outras cores. Outras empresas também têm aderido à novidade. Hoje em dia, algumas lojas já perceberam a tendência e têm ampliado as opções de brinquedos. 
A gerente de uma loja de brinquedos, de Apucarana, Lauren Machado, observa que brinquedos com coloridos mais neutros começaram a chegar há cerca de um ano e meio no estabelecimento. Neste quesito, uma das maiores procuras é por cozinha. “Quando o menino quer, a mãe vem procurar algo que não seja rosa e leva as opções com outras cores”, diz a gerente.
Para ela, essa mudança tem a ver com programas de culinárias, que inclusive têm a presença de meninos. Nos últimos anos, reality show de gastronomia virou febre na televisão, como Master Chef, ganhando versão infantil. 
EXEMPLO
Um exemplo de pais que preferem ampliar o leque de opções aos filhos é casal, a advogada Izabela Mazeto, 27, e o autônomo Alessandro Gimeni, 32, que não vê problema algum os filhos Mariana, 5; Clara, 3, e Francisco, 1 ano, brincarem com os mesmos brinquedos. “É natural a forma com que eles determinam as brincadeiras. Existem preferências, mas as escolhas são deles. O caçula sempre brinca com o “carrão” da Barbie. Em casa, os brinquedos ficam todos misturados”, explica a mãe. 
Izabela conta que Clara sempre gostou de barulho de moto e que brincava com carrinhos. “Hoje, que ela está maior, é extremamente vaidosa e não levanta da cama sem arrumar os cachinhos do cabelo, adora batom e esmalte, batom. Mesmo assim, procuramos deixar a brincadeira acontecer”, ressalta Izabela. 
A professora de História, Camila Zukovski, 35, é mãe de Helena, seis meses, que brinca com brinquedos sempre muito coloridos. Atualmente, a família vive em Paranaguá, mas é de Apucarana. 
“Não sou apegada às cores de brinquedos e roupas porque são uma forma de modelar a criança no perfil menino ou menina imposto pela sociedade. E uma das formas de padronizar as crianças nesse molde são as brincadeiras e os brinquedos”, acredita Camila. 

Brinquedo não tem gênero
“Brinquedo não tem gênero. O imaginário da criança também não faz diferença na hora de brincar com esse ou aquele brinquedo”, diz a psicóloga, especialista em Educação Especial e Saúde Mental, Amanda Guedes de Andrade, de Apucarana. 
Segundo a psicóloga, quando um adulto dá palpite nos brinquedos, dizendo “esse é de menina e esse é de menino”, coloca uma limitação antes não existente para a criança. “Nessa hora, a criança se depara com um universo preconceituoso e sua criatividade nas brincadeiras é barrada por uma opinião baseada numa sociedade arcaica, onde homens não devem expressar suas emoções, tem que trabalhar fora "dirigir" e trazer o sustento para a casa, e as mulheres cuidarem dos serviços domésticos e dos filhos”, argumenta.
Ainda de acordo com a especialista, é através das brincadeiras e dos brinquedos que as crianças expressam o que vivenciam em suas relações, onde imitam os comportamentos modelados pelos adultos, sendo esses saudáveis ou não. “Então, o mais importante nessa hora é o papel que as relações familiares exercem na vida da criança e não se ela brinca ou não de carrinho ou boneca”, acredita.

Construindo relações saudáveis 
A psicóloga, especialista em Educação Especial e Saúde Mental, Amanda Guedes de Andrade, de Apucarana, observa que homens que cuidam bem de seus filhos e ajudam suas esposas nas tarefas do dia a dia, assim como mulheres com habilidades para empregos antes referidas apenas aos homens como dirigir e ter uma profissão fora do lar, foram expostos a estímulos e relações saudáveis entre as brincadeiras da infância e as relações familiares.
A psicóloga acrescenta que o brincar proporciona a aquisição de novos conhecimentos e desenvolve habilidades de forma natural e agradável. “É uma das necessidades básicas da criança, sendo essencial para um bom desenvolvimento motor, social, emocional e cognitivo”, garante.
É brincando também, segundo Amanda, que a criança treina a solução para seus problemas cotidianos e desenvolve habilidades como a autoconfiança, que é necessária para que consiga resolver seus problemas da melhor forma tanto dentro como fora de si. “A realidade infantil é constituída a partir da fantasia e brincar é para a criança um momento mágico, pois é assim que alimenta sua vida interior, liberando sua capacidade de criar e reinventar o mundo”, avalia.
Amanda comenta ainda que a brincadeira faz com que a criança interaja melhor com o meio, se conheça melhor e manifeste sua criatividade, inteligência, habilidade e imaginação, o que é necessário para um bom desenvolvimento. “O direcionamento e a forma com que os pais lidam com as brincadeiras, com a compra dos brinquedos e a participação destes no dia a dia das crianças, influenciam e causam impacto na vida delas”, sublinha.
Na avaliação da especialista, a autonomia para que as crianças escolham com o que querem brincar, onde possam explorar as cores além da imposição do azul e do rosa, e as formas e funções dos brinquedos, faz com que se tornem adultos confiantes e determinados.