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Reconstruindo histórias

Vanuza Borges

| Edição de 19 de fevereiro de 2017 | Atualizado em 25 de janeiro de 2022

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Imagens sacras fazem parte do cotidiano de católicos há séculos. É comum fiéis, aos pés de santos e santas, fazerem pedidos nas horas de angústias e agradecerem bênçãos alcançadas. Porém, tão comum quanto a tradição, é o desgaste causado pelo tempo. Quebrados, santas e santos, não raro, são tirados do altar e colocados de lado, guardados. Com o intuito de trazer de volta essas imagens à cena religiosa, o artista plástico apucaranense Adenilson Nunes de Oliveira, 38 anos, trabalha para recuperar a história e a religiosidade de cada peça. Em seis anos, já passaram pelo seu ateliê, em Apucarana, cerca de 250 imagens sacras, vindas de igrejas e da casa de fiéis de várias cidades da região.

Imagem ilustrativa da imagem Reconstruindo histórias

Um dos maiores projetos comandado por Deni, como é mais conhecido, é o da Paróquia Santo Antônio de Pádua, do Distrito de Pirapó. Vinte e quatro imagens serão restauradas até a comemoração do cinquentenário, que acontecerá em 2019. Sete peças já foram completamente restauradas desde o início do projeto em outubro do ano passado. Entre elas, a imagem do Senhor Bom Jesus, que faz parte do acervo religioso da paróquia desde a década de 1960, quando ainda era uma capela de madeira, mas há décadas estava guardado no sótão justamente por causa do desgaste em sua pintura.
Católico e devoto de Santo Antônio, Deni faz o trabalho de forma voluntária para a paróquia, cobrando apenas o material. Em outras situações, o valor do restauro custa em torno de 10% da peça. “As imagens não são para serem adoradas, mas existem como exemplos de virtude a serem seguidos”, diz o padre Fernando Rodrigues Caldeira, pároco da Paróquia Santo Antônio de Pádua.
O projeto de restauração da paróquia integra um projeto maior, de restauração da própria igreja para o cinquentenário. Além da reforma no salão paroquial. “Igreja não reforma, restaura, por manter sua originalidade, história e afetividade”, afirma o padre.
Bacharel em Belas Artes, Deni, desde menino já demonstrava habilidade ao esculpir imagens em argila e barro. O que era brincadeira de criança virou profissão meio por acaso, uma vez que no universo das artes, a música foi a área escolhida para a especialização, o que também rende frutos. Deni é regente do coral Sagrada Família, da paróquia Santo Antônio de Pádua, com o qual gravou o CD “Missa Sertaneja”.
O envolvimento com as ações da igreja foi decisivo para o início do processo de restauração das imagens. “A restauração é uma maneira de evangelizar também, de respeito com o sagrado, além do valor histórico da própria peça e afetivo para os fiéis, que recorreram aos santos em tantos momentos de angústia”, define.

Pesquisa faz parte do processo
No trabalho de restauração, Deni conta com ajuda da sócia Daniele Cordeiro, de 35 anos. Ele revela que para dar início à restauração é preciso pesquisar as tintas usadas originalmente, para identificar exatamente a tonalidade usada. Em alguns casos é preciso também pesquisar sobre a própria história do santo.
Como exemplo, ele cita a história de São Roque. Quando a imagem chegou ao ateliê, duas dúvidas surgiram: o animal aos pés do santo era uma ovelha ou cachorro? E o que estava na boca deste animal era um pedaço de carne? Uma pesquisa realizada pelos restauradores concluiu que o animal era um cachorro. E mais: não se tratava de um pedaço de carne, mas de pão. “Cada imagem que chega aqui carrega uma história, que vai além da história propriamente do santo ou da santa, mas de famílias, porque a imagem acompanha a família por anos, o que gera um valor afetivo muito grande e respeito”, diz.
Deni conta que é pelo respeito que muitas famílias procuram o serviço de restauração. “Muitos não procuram simplesmente porque não sabem da possibilidade de restaurar uma imagem nem do valor da peça. Quando vão fazer um orçamento de uma nova imagem é que descobrem o quanto vale”, comenta.
Como exemplo de respeito, ele conta o caso de uma família católica, que tinha uma imagem de São José em casa durante anos. “Quando a família passou a frequentar uma igreja evangélica e mudou de religião, por respeito à imagem, doou à igreja que frequentava antes”, revela.

Erros comuns com as imagens
Alguns costumes, por mais bem-intencionados que sejam, colocam em risco a vida e a beleza das imagens. Um deles, revela o artista plástico apucaranense Adenilson Nunes de Oliveira, é lavar o santo. “Fazia parte da tradição até bem pouco tempo atrás lavar o santo, mas como as imagens são feitas de gesso, é comum quebrarem ou ter a pintura desgastada”, observa.
Outro detalhe, segundo Deni, é o uso de materiais inadequados para fazer a recuperação das imagens. “É comum encontrar detalhes refeitos com esmalte, tintas de tecido e preenchimentos com cola. As pessoas que usam esses materiais fazem com a melhor das intenções, mas acabam tirando a originalidade da peça. Para conseguir um tom de pele é preciso mais de oito tipos de tinta, por exemplo”, explica.
O restaurador revela que a melhor forma de limpar as imagens é fazer com pano úmido e tirar a poeira dos cantinhos com pincel ou com “cotonete” umedecido.
Deni comenta que outro destino comum quando as imagens quebram é o cemitério. “Por se tratar de uma imagem sagrada não deve jogar no lixo, mas pode terminar de triturar o gesso e jogar no jardim junto com as flores ou embaixo de um pé de árvore. Essa é uma maneira de dar um destino digno às imagens”, diz.