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Pacote anticrime de Moro gera polêmica

Renan Vallim

| Edição de 09 de fevereiro de 2019 | Atualizado em 25 de janeiro de 2022

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Uma lista de propostas para modificações em leis brasileiras foi apresentada na última segunda-feira (4) pelo ex-juiz federal e atual ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro. O chamado ‘pacote anticrime’ quer alterar um total de 14 leis brasileiras e serve como ponto de partida para discussão do Congresso, que precisa aprová-lo para entrar em vigor. No entanto, o texto gerou polêmica entre juristas, que divergem sobre os pontos mais importantes da proposta.

As mudanças, segundo Moro, foram organizadas em 19 objetivos, que visam atacar três questões centrais: a corrupção, o crime organizado e os crimes violentos. Para o ex-juiz federal, os três problemas estão interligados.
Advogado apucaranense, professor universitário, mestre e doutorando em Direito, Aluísio Ferreira critica o foco das propostas. “Compartilho do posicionamento do grande jurista Miguel Reale Júnior, que diz que as medidas se preocupam com a profilaxia, mas não com a segurança pública em si. Elas não tratam de pontos elementares, como a estruturação das polícias, por exemplo. Hoje, entre 1% e 2% dos assaltos à mão armada são solucionados no Brasil”.
O também advogado apucaranense João Batista Cardoso, especialista em Direito Criminal e com pós-graduações em Direito Penal e Direito Processual, afirma que as medidas são boas, mas com ressalvas. “Alguns pontos são bem-vindos e até necessários, mas deveriam ser aprovados juntamente com medidas dos governos Federal e Estadual para melhorar a estrutura de segurança pública”.
Já o juiz da 2ª Vara Criminal de Apucarana, diretor do fórum local e professor universitário Oswaldo Soares Neto destaca que as medidas são positivas. “O pacote de medidas está afinado com a ideia de aumentar a efetividade do Judiciário, principalmente na esfera criminal. É um bom ponto de partida para a discussão no Congresso”.

LEGÍTIMA DEFESA
Um dos pontos mais polêmicos do texto é uma mudança no artigo 23 do Código Penal, que trata do chamado excludente de ilicitude. O ministro mantém o entendimento da lei que o autor “responderá pelo excesso doloso ou culposo” durante uma reação, mas que o juiz poderá reduzir a pena pela metade ou não a aplicar se esse excesso “decorrer de escusável medo, surpresa ou violenta emoção”. A medida, apesar de abranger toda a sociedade, tem como foco aumentar o suporte a agentes de segurança, quando estes agem de maneira letal em situações de risco, a chamada ‘legítima defesa’.
Aluísio vê a medida como desnecessária. “Este é um dispositivo legal que já é previsto na lei atual. Inclusive, há uma discussão do Direito Internacional se a legítima defesa abrange os agentes de segurança. Se eles estão dentro do chamado ‘estrito cumprimento do dever legal’, ou seja, fazendo o seu trabalho, não seria nem legítima defesa uma possível morte em confronto, por exemplo. Eles estariam ainda mais respaldados pela lei com este entendimento”.
João Batista vai além. “Esta é uma medida apenas para satisfazer o leigo, aquele que não conhece as leis. Quem conhece, sabe que já há legislação que exclui o agente de segurança de ser penalizado caso ele mate alguém em situação de legítima defesa. É o estrito cumprimento do dever legal”.
Oswaldo também concorda que há lei neste sentido, mas pondera. “A medida do ministro torna mais clara a situação da legítima defesa, especialmente para agentes de segurança. Vejo, em meu contato com forças policiais, que há um grande receio de ser penalizado caso eles precisem agir desta forma. Um esclarecimento como este é positivo”.

ENDURECIMENTO
O pacote lida ainda com o endurecimento penal, confirmando a prisão em segunda instância, criando a prisão logo após condenação do Tribunal do Júri (que trata de crimes dolosos contra a vida) e possibilidade de dificultar a progressão penal, mantendo o condenado por mais tempo em regime fechado, por exemplo.
“Não há estudo de impacto social e orçamentário para justificar estas medidas. Vai haver mais pessoas na cadeia, isto é fato, gerando mais custos ao Estado. Além disso, serão criadas mais vagas no sistema penitenciário. Ele será reestruturado? Sistema este que está completamente falido”, questiona Aluísio.
Além da construção de presídios, João Batista pede outras mudanças. “O sistema não recupera ninguém. O que adianta deixar a pessoa mais tempo na cadeia se, quando ela sai, está pior do que entrou? 90% dos presos saem piores do que entraram. Com a estruturação dos presídios, a progressão de pena poderia ser obrigatoriamente vinculada, por exemplo, a um trabalho realizado lá dentro. Isso surtiria mais efeito, sem dúvida”.
O juiz Oswaldo concorda. “Temos uma rede carcerária superlotada. Esperamos que o endurecimento das penas seja acompanhado de reestruturação do sistema”.
OUTROS PONTOS
Aluísio critica também o ‘plea bargain’, dispositivo do Direito americano em que o acusado pode se declarar culpado para evitar um processo e ter benefícios. “Este é um dispositivo muito criticado, que leva ao encarceramento de inocentes, sobretudo de origem mais simples, com menos instrução. É algo perigoso”.
Já Oswaldo discute a autorização para gravação de conversas entre determinados presos e advogados nas visitas a cadeias. “Esta é uma situação que viola a privacidade do advogado e de seu cliente, que poderá ser gravado discutindo questões pessoais. Sou favorável apenas em caso de comprovação que advogado e preso estejam usando os encontros para fins ilícitos. Algo nos moldes da quebra de sigilo telefônico, por exemplo”.