CIDADES

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UMA COMUNIDADE EM BUSCA DA INCLUSÃO

Silvia Vilarinho

| Edição de 07 de julho de 2019 | Atualizado em 25 de janeiro de 2022

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Já imaginou ir até um médico e ter que escrever em um papel o que está sentindo? Ou sair de uma loja sem comprar, pois não conseguiu conversar com a vendedora? Essas e várias outras situações constrangedoras acontecem todos os dias com os surdos.

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), são 10 milhões de pessoas surdas no Brasil. Isso equivale a 5% da população. Apesar de não existir um estudo mais preciso, a comunidade surda calcula que existam mais de cem surdos em Apucarana.
Somente matriculados na rede municipal e estadual de educação são 18 crianças que não escutam e são acompanhadas por intérpretes que fazem a mediação da aprendizagem entre a Língua Portuguesa e a Língua Brasileira de Sinais (Libras) nas salas de aula. Além de participarem de salas especializadas na linguagem. Porém, nem sempre a ajuda existiu.
A apucaranense Giovanna Oliveira de Lima tem 23 anos.Ela e o pai são surdos, mas a família só foi perceber que a menina não escutava aos três anos de idade. Hoje ela é professora de libras e venceu várias barreiras. 
A jovem lembra que passou 12 anos realizando diversos tratamentos com médicos, fonoaudiólogos para treinar a fala, passou por psicólogos para ajudar a superar as limitações que surdez traz para a vida de quem não pode ouvir. As dificuldades ela encontrou já nos primeiros anos de escola, por que na sala de aula não tinha intérprete.  “Quando eu tinha mais ou menos nove anos, percebi que na minha escola tinha libras, mas como era muito nova, me proibiram de aprender. Me falaram que eu só podia aprender com 18 anos. Mas por sorte, com a troca da professora, comecei a aprender. Era muito difícil, mas essa professora não deixou eu desistir e continuei aprendendo. Comecei a participar da Sala de Recursos Multifuncional de Surdez e no meu oitavo ano uma intérprete começou a me ajudar”, relembra Giovanna.
Ela não parou de estudar, fez o magistério, conquistou certificação pela Feneis - Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos e no ano passado se formou em Letras/Libras pela Universidade Estadual de Londrina (UEL) e realizou uma pós-graduação. Além disso tirou Carteira Nacional de Habilitação.
Outra lembrança difícil de esquecer foi quando Giovanna se deparou com uma menina surda no período em que estagiava durante o magistério. Ela começou ensinar libras para a criança, mas foi proibida pela família da aluna do pré-escolar. “Me falaram que iam registrar um boletim de ocorrência contra mim, pois eu estava atrapalhando a criança”, relembra. Segundo ela, a criança estava sendo acompanhada por uma fonoaudióloga e a família queria que ela aprendesse a falar. “Para eles, o fato de eu ensinar libras atrasaria o desenvolvimento”, conta Giovanna que acabou reencontrando a mesma criança mais tarde, já no terceiro ano, quando a menina foi liberada para aprender libras.
Para Giovanna o apoio das famílias é fundamental. “Às vezes o pai e mãe querem que o filho fale, que escute, e existe a alternativa do implante. Não julgo quem coloca, mas nós surdos temos que ter o direito de aprender nossa língua, os sinais. Somos capazes de tudo, mas precisamos de oportunidade. Às vezes chegamos nos lugares e as pessoas ficam com medo, achando até que vamos roubá-las. Falta inclusão, deveria ter intérpretes nos lugares, alguém que fale o básico pelo menos, nós existimos e estamos aqui, no meio dos ouvintes” desabafa.

Uma linguagem baseada em imagens
Mestre em ensino para formação de docente, Fabíola Zappielo que leciona em diversas instituições, destaca a lei 10436 de 2002, a Lei das Libras, como uma das maiores conquistas da comunidade. A legislação reconhece a libras como meio de comunicação e expressão da comunidade surda brasileira, e fala da inclusão do surdo na escola e em todas as áreas da sociedade. 
“Foi após essa lei que a libras se tornou disciplina nos cursos de formação de professores, pedagogia, letras/ português por exemplo, isso é uma grande conquista, por que a inclusão não acontece só com o intérprete em sala de aula, é essencial que esse professor saiba também como trabalhar com esse aluno surdo. A libras é a primeira língua do surdo, o português é a segunda na modalidade escrita, é muito difícil. O surdo pensa numa língua de modalidade visual, que é produzida nas mãos, e escreve em outra que é totalmente baseada na oralidade. É preciso que o professor compreenda a singularidade linguística do aluno, por isso é tão importante a libras na formação”, enfatiza.
Ainda para a professora, para a sociedade melhorar a vida do surdo, seria fundamental que em todos os setores ao menos um funcionário que soubesse pelo menos o básico de libras. O ideal seria um intérprete e a contratação de surdos.
Pensando na inclusão, o analista administrativo de ferrovia e intérprete de libras, o apucaranense Everton Lisboa de 30 anos, criou um canal no YouTube e um grupo no WhatsApp, o Digital Libras. Lá as pessoas encontram vídeos que ele ensina. 
“Quando eu entrei para a pastoral dos surdos eu me apaixonei, hoje estou cursando letras/libras. A ideia do canal e do grupo, foi justamente para mostrar a língua de sinais, ensinar o básico, como por exemplo, um simples bom dia, tudo bem? Assim, quem sabe melhorar a convivência dos surdos na sociedade, as pessoas deveriam aprender pelo menos o básico. Foi uma forma que eu encontrei para levar a informação e para mostrar que os surdos existem e estão no meio de nós, sem que as vezes pudéssemos perceber”.

Preconceito é um desafio diário para comunidade
Anderson da Silva Costa, de 30 anos, vive atualmente em Califórnia e nasceu surdo. Sem muito conhecimento, a mãe o levou inicialmente para a Apae. “As pessoas que estudavam na Apae naquela época eram deficientes intelectuais, eu apenas não falava. Foi quando minha mãe me levou para Apucarana onde encontrei mais surdos e conheci libras. Com o tempo me formei em pedagogia e sou professor de libras”, detalha
De acordo com Anderson, a vida do surto em sociedade é muito difícil, pois não existe comunicação e o preconceito ainda é muito grande. “É difícil de encontrar um surdo com amigo na escola, eu não tinha. A maioria dos surdos sofre muito. Quando me chamam de ‘mudinho’ eu não gosto, me sinto muito mal. As pessoas precisam buscar mais informações. Como o surdo vai viver em sociedade se não existe comunicação”, ressalta Anderson.
Dionata Nunes Sanches, de 29 anos também é surdo, mora em Cambira, é professor de libras e dá aula em um Colégio de Arapongas. Ele disse que já presenciou muitos ouvintes rindo quando começa a fazer os sinais e acha uma falta de respeito com a língua. “Por que isso? Falta um pouco a família também aconselhar, orientar seus filhos para evitar tudo isso no futuro”, destaca.
Rute Rossetto é intérprete de libras, trabalha em um Colégio e também é coordenadora da pastoral do surdo da Diocese de Apucarana. Como convive muito com a comunidade surda, vê o quanto é difícil não ser compreendido, viver em uma sociedade sem conseguir fazer as atividades mais básicas pela falta de comunicação.
“A falta de comunicação é uma barreira, ao fazer compras, consultas médicas, ir a um banco. O surdo não está incluído”, ressalta.